terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

1.1.5 Equilíbrio em soluções saturadas de sais pouco solúveis: constante de produto de solubilidade ou produto de solubilidade

Se se proceder à dissolução de carbonato de cálcio em pó, CaCO3 , num certo volume
de água nota-se que apenas uma pequena massa deste sal se dissolve, ficando a solução
rapidamente saturada, constatado através da deposição de sólido no fundo do recipiente
utilizado. A temperaturas diferentes a solubilidade varia mas não deixa de se verificar a
saturação da solução para uma massa (e consequentemente uma quantidade) muito
pequena de sal dissolvido.

A massa de sal que se dissolve dissocia-se completamente tal que:Na solução saturada existe a quantidade máxima possível de iões 2+ Ca e 2−
CO3 , à
temperatura da experiência.
No entanto, através da adição de carbonato de cálcio radioactivo constata-se que,
passado algum tempo, a dita solução apresenta-se também radioactiva.
O que aconteceu então?
A conclusão a retirar é que existiu uma passagem de sólido para a solução. Então mas
esta já não tinha a quantidade máxima de iões Ca 2+e 2−
CO3 à temperatura da
experiência? Tinha, o que quer dizer que parte dos iões 2+ Ca e 2−
CO3 se juntaram para
formar sólido, o qual precipitou.
Logo, tem de existir uma situação de equilíbrio entre o CaCO3 sólido e os iões Ca 2+e
2−
CO3 em solução aquosa, à temperatura da experiência, tal que:



Este equilíbrio de solubilidade é um equilíbrio heterogéneo, dado que tem
componentes em diferentes estados físicos, i.e., em fases distintas.
A constante de equilíbrio será:Mas a natureza do equilíbrio, deste ou doutro qualquer, é dinâmica, i.e., ocorre uma
troca constante de iões entre a rede cristalina do sólido em contacto com a sua
solução saturada, o que leva a que o número de iões que transitam para a solução é
igual ao número de iões que se organizam na rede cristalina do sal. Logo, a
concentração do sal sólido na solução saturada é constante e o produto de uma
constante por outra constante é. Assimsendo S K a constante de produto de solubilidade ou simplesmente produto de
solubilidade.
O quadro 5 apresenta valores de alguns produtos de solubilidade para alguns sais e
hidróxidos a 25ºC.

A presença de iões 2+ Ca e 2−
CO3 em solução aquosa pode também resultar da dissolução de outros sais que contenham os mesmos iões e não da dissolução de mais
CaCO3 .
Mas uma coisa é certa. Sempre que o produto [ Ca2 + ] [ CO 2− ]3
.for superior ao valor de
S K vai ocorrer precipitação, i.e., formação de sólido no seio da solução.
Se definirmos o produto iónico [ + ] [ − ] = 23
Q Ca2 . CO teremos:
•S Q p K , ou seja, [ ] [ 2 ] 932 . 4,8 10+ − − Ca CO p × , solução não – saturada
•S Q = K , ou seja, [ ] [ 2 ] 932 . 4,8 10+ − − Ca CO = × , solução saturada
•S Q f K , ou seja, [ ] [ 2 ] 932 . 4,8 10+ − − Ca CO f × , solução sobressaturada


Relação entre S e KS


No equilíbrio que temos vindo a analisar, ( ) ( ) ( )CaCO3 s 2Ca aq + CO32 aq + − «




Então, como [ ] [ ]S e e K Ca CO + − = 2
3
2 . , temos 2 K S S = e 4,8 10 9 − S = × , i.e., 6,9 10 5 3 − − S = × mol dm .

O que concluímos daqui?
Concluímos que a concentração em iões 2+ Ca e 2−
CO3 em águas naturais é de
6,9 10 5 3 − − × mol dm , apesar de se encontrarem valores mais baixos uma vez que o ião
2−CO3 tende a hidrolisar-se, i.e., reage com a água, de acordo com a equação
( ) ( ) ( ) ( ) 2 3
2
CO3 aq H O HCO aq OH aq − − − + l « + .
Mas como é que podemos explicar valores muito mais elevados para a concentração em
iões 2+ Ca em águas naturais?
Temos de estudar esta situação à luz da variação da solubilidade de sais devido à
presença de outras espécies.
A presença de CO2 dissolvido na água a partir da atmosfera potencia a dissolução do
CaCO3 , tal que:
( ) ( ) ( ) ( ) 2 ( ) 3
2
CaCO3 s CO2 aq H2O Ca aq HCO aq + − + + l « +
É que as concentrações em 2+ Ca e 2−
CO3 presentes nas águas naturais seriam reduzidas
se só resultassem da dissolução do CaCO3 .
Este fenómeno ocorre nas águas naturais em contacto com solos calcários explicativo do
facto destas águas apresentarem um pH superior àquele que seria de esperar apenas
através da dissolução do CO2 , traduzido pela reacção( ) ( ) 2 ( ) ( ( ) ( ) ( )) 2 3 3 2 2 2 3
2
CO3 aq + H CO aq ® HCO aq CO g + H O « H CO aq − − l .
Como o CaCO3 abunda na crosta terrestre, as águas de origem subterrânea contêmconcentrações apreciáveis em 2+ Ca e 2−CO3 , e consequentemente −HCO3 .A presença de ácidos aumenta a solubilidade dos carbonatos em água.
Consequentemente existe um aumento de solubilidade do CaCO3 devido à dissolução
de CO2 na água. Todavia, o CaCO3 não deixa de ser um sal pouco solúvel à pressão
normal e temperatura ambiente e é por isso que alguns seres vivos o utilizam para
fabricar conchas a partir dos iões existentes na água do mar. No entanto, a elevadas
profundidades, abaixo dos 5 km, é praticamente impossível encontrar CaCO3 nas águas
marinhas, dado que o efeito do aumento da solubilidade com o aumento de pressão é
particularmente elevado para o caso do CO2 , efeito reforçado pela diminuição de
temperatura, a qual também contribui para o aumento da solubilidade deste gás na
água. Ácidos complexos, existentes nas camadas superficiais dos solos, contribuem
também para a acidificação da água, levando à produção de mais iões 2+ Ca e CO2 , pois
( ) 2 ( ) ( ) ( ) ( ) 2 2
2
CaCO3 s + H aq ®Ca aq + H O + CO g + + l .
Então, o que acontece quando as conchas afundam a profundidades elevadas?
O equilíbrio de solubilidade é ( ) ( ) 2 ( )
3
2
CaCO3 s Ca aq CO aq + − « + , exotérmico no
sentido directo, potenciando o CO2 esta dissolução.
Como existe maior concentração de CO2 dissolvido em águas profundas, fruto das
pressões serem mais elevadas e as temperaturas mais baixas, reforçado pelo facto de a
dissociação do CaCO3 nos iões 2+ Ca e 2−
CO3 aumentar com a diminuição da
temperatura, a dissolução do CaCO3 das conchas dos seres vivos é favorecida, o que
está de acordo com a Lei de Le Chatelier.
Os seres vivos que habitam nas profundezas dos oceanos não possuem conchas uma vez
que estas se dissolveriam devido às altas pressões e baixas temperaturas.
Dependendo da constituição geológica, a acidez devida á presença de CO2 na água
pode levar à dissolução de outras espécies químicas como o feldspato (aluminossilicato
de potássio, KA Si3O8 l ), uma vez que 2 ( ) + 2 ( ) + 3 ( )® 3 8 2 2
KAlSi O s CO g H O l
( ) ( ) 2 ( ) 2 ( ) 4 ( ) ® A 2Si2O5 OH 4 s + HCO3 aq + K aq + SiO2 aq − + l .
Isto explica o facto de algumas águas naturais possuírem, para além de
hidrogenocarbonato, −
HCO3 , sílica dissolvida, SiO2 , e potássio, + K , em abundância.

Formação de precipitados
Se adicionarmos volumes idênticos de soluções 1,0 10 6 3 − − × mol dm de soluções aquosas
de AgNO3 e de NaCl , não é detectada visualmente nenhuma alteração. Contudo, se as
soluções adicionadas tiverem a concentração de 1,0 10 3 3 − − × mol dm ocorre a formação
de um precipitado branco de AgCl , conforme a equação:
( ) ( ) ( ) ( ) AgNO3 aq + NaC aq ® AgC s + NaNO3 aq l l
A equação iónica, eliminando os iões espectadores, é:
Ag (aq) + Cl (aq)® AgCl(s) + −
Uma das aplicações mais importantes do produto de solubilidade consiste na
determinação da formação, ou não, de um precipitado de um sal pouco solúvel a partir
da adição de soluções de sais muito solúveis.
Assim, ocorrerá a formação de um precipitado sempre que as concentrações dos
iões do sal em solução levem à saturação da solução nesse sal, ou seja, sempre que o
quociente da reacção correspondente ao equilíbrio desse sal for maior que o
respectivo produto de solubilidade.
Em suma:
• Qs <> Ks há formação de precipitado
• Qs = Ks é atingida a saturação da solução
Se numa solução existirem iões de vários sais pouco solúveis, por evaporação do
solvente, a saturação da solução relativamente aos vários sais presentes não é atingida
simultaneamente mas sim ocorre precipitação do sal menos solúvel em primeiro lugar,
seguindo-se os outros menos solúveis por ordem crescente de solubilidade. Chama-se a
este fenómeno precipitação selectiva de sais por evaporação do solvente e é o que
acontece nas salinas nas quais, por evaporação da água, os sais existentes, cloreto de
sódio, cloreto de magnésio, sulfato de magnésio ou o sulfato de cálcio precipitam
quando se atinge o respectivo produto de solubilidade.
Os diferentes produtos de solubilidade também podem ser usados em análise química
para a separação de iões. Vejamos.

Consideremos uma solução contendo iões cloreto ( ) − Cl e cromato 2−
CrO4 , cujas
concentrações são [ ] 0,10 3 − − Cl = mol dm e [ 2 ] 3
4 0,10 − − CrO = mol dm .
Por adição de nitrato de prata ( ) AgNO3 , o ião + Ag vai formar sais pouco solúveis com
esses iões: cloreto de prata (AgCl) e cromato de prata ( ) Ag2CrO4 .
Como em primeiro lugar precipita o sal que tiver menor S K isso quer dizer que vai
primeiro precipitar o sal que necessitar de menor quantidade de + Ag para atingir o
valor do respectivo S K .
Assim, para começar a precipitar AgCl é preciso que S S Q = K .
[ ] [ ] [ ]
[ ]
[ ] [ ] 9 3
10
1,8 10
0,10
1,8 10
. + − −

+

+ − + Û = ×
×
= Û = Û Ag = Ag mol dm
C
K
K Ag C Ag S
S
l
l
Qual o significado físico disto?
Quando [ + ] Ag atingir o valor 1,8 10 9 3 − − × mol dm começa a precipitar AgCl .
Para começar a precipitar Ag2CrO4 é preciso que S S Q = K .
2 5,1 10,102,6 10
. + − −−+−+ − + Û = ××
= Û = Û Ag = Ag mol dmCrO
KK Ag CrO Ag SS
Qual o significado físico disto?
Quando [ + ] Ag atingir o valor 5,1 10 6 3 − − × mol dm começa a precipitar Ag2CrO4 .
Conclusão:
Como é preciso menor quantidade de + Ag para precipitar AgCl do que para precipitar
Ag2CrO4 , obtém-se em primeiro lugar o precipitado de AgCl , o qual pode ser obtido
por filtração da solução, ficando ainda em solução o ião 2−
CrO4 , tendo deste modo sido
feita a separação dos iões − Cl e 2−CrO4 .
Este fenómeno é designado por precipitação selectiva de sais por adição de um
precipitante.

Já atrás tínhamos visto que a temperatura afectava a solubilidade de um sal,
consoante a solubilização seja um fenómeno endotérmico ou exotérmico, de acordo com
a Lei de Le Chatelier.
Se for endotérmico, um aumento de temperatura leva a um aumento da solubilidade do
sal e consequentemente a um aumento do produto de solubilidade.
Se for exotérmico, um aumento da temperatura leva a uma diminuição da solubilidade
do sal e consequentemente a uma diminuição do produto de solubilidade.
Também de acordo com a Lei de Le Chatelier, um aumento da concentração de
qualquer dos iões em solução leva o equilíbrio a deslocar-se no sentido inverso,
causando uma diminuição na solubilidade do sal em causa. Uma aplicação é o efeito do ião comum. Vejamos.
A solubilidade de um sal em água diminui por aumento da concentração de qualquer um
dos seus iões em solução. Consideremos, a 25 ºC, a solubilidade do cloreto de prata
(AgCl) . Como ( ) 1,8 10 10 − K AgCl = × S , temos:
S S
AgC s Ag aq C aq
− − − − −
− − − − −
« + + −
0 0
l( ) ( ) l ( )
donde que:
[ ] .[ ] 2 1,34 10 5 3 + − − − K = Ag C Û K = S Û S = K Û S = × mol dm S e e S S
l
Se tivermos o cloreto de prata numa solução 0,10 3 − mol dm de cloreto de sódio (NaCl) ,
o que é que acontece? Temos o efeito do ião comum, i.e., temos iões − Cl provenientes
do cloreto de prata e do cloreto de sódio.
Como a solubilidade vai ser muito inferior a 0,10 , S' pode desprezar-se na soma
0,10 + S' , e como a temperatura é a mesma, o que significa que o valor de S K é o
mesmo, temos:



Este resultado vem comprovar o que, teoricamente, nos diz a Lei de Le Chatelier, a
solubilidade diminui devido ao efeito do ião comum.
Também o efeito da adição de ácidos está de acordo com a Lei de Le Chatelier.
Quando o anião do sal pouco solúvel é uma base conjugada de um ácido fraco, esse sal
pode ser solubilizado através da adição de um ácido forte, como se verifica para a
dissociação do carbonato de cálcio:

em que o ião 2−
CO3 é uma base conjugada do ácido fraco −
HCO3 .
Adicionando um ácido forte, um ácido que sofra uma ionização praticamente total, os
iões 2−
CO3 vão aceitar protões desse ácido, tal que:


CO23CO aq + H aq ®CO g + H O l −


o que leva à diminuição da concentração dos iões 2−
CO3 e consequentemente o
equilíbrio ( ) ( ) 2 ( )
3
2
CaCO3 s Ca aq CO aq + − « + desloca-se no sentido directo
aumentando a solubilidade.
Por adição de uma quantidade suficiente de ácido todo o CaCO3 pode ser solubilizado.
Também o efeito da formação de iões complexos pode ser explicado pela Lei de Le
Chatelier.
Consideremos, novamente, o equilíbrio AgC (s) Ag (aq) C (aq) + − l « + l .
Por adição de amoníaco ( ) NH3 forma-se o ião complexo diaminoprata [ ]+
3 2 Ag (NH ) ,
pois ( ) 2 ( ) [ ( ) ] ( ) Ag aq NH3 aq Ag NH3 2 aq + + + « , o que leva a que a concentração do


ião + Ag , no equilíbrio AgC (s) Ag (aq) C (aq) + − l « + l , diminua, deslocando o
equilíbrio no sentido directo, havendo solubilização do precipitado.


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